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Gazy Andraus 18/11/2005 Informações são as chaves para um entendimento cada vez mais aprofundado em todos os temas do conhecimento humano. Os livros são fontes que facilitam a transmissão de idéias, e colaboram nesta incessante troca de dados, além de manterem aceso o espírito instigador no leitor. Mas existem outras linguagens que desbravam conceitos, sugerem trilhas novas e facilitam o acesso de informes não visualizados prontamente, estabelecendo conexões que somente seriam percebidas após muito estudo. O livro História em Quadrinhos e Arquitetura (Marca de Fantasia, 2004, 84 págs.) do autor e pesquisador doutorando Edgar Franco, sintetiza e aborda uma destas linguagens: Edgar é arquiteto por formação, mas sempre enveredou pela autoria de Histórias em Quadrinhos de temática adulta, do gênero que se pode chamar de fantástico-filosófico, e é justamente esta sua experiência na área arquitetônica e quadrinhística que faz de seu livro um escopo de demonstração das conexões entre as construções urbanísticas e a própria linguagem e conteúdos dos quadrinhos, cujas especificidades de linguagem ilustram perfeitamente o potencial que têm como mediadores de informação. O livro esclarece bem as noções de arquitetura e de urbanismo, facilitando a compreensão ao leigo no assunto, e pontua com precisão exemplos roteirizados de quadrinhos que metaforizam modelos consagrados do urbanismo, como a obra A Febre de Urbicanda, de autoria de Benoît Peeters e François Schuiten, cujo álbum integra a série As Cidades Obscuras, idealizada em 1980 para a editora francesa Casterman, tendo seus autores bebido em fontes culturais diversas. Com conceitos da arquitetura, Franco identifica em A Febre de Urbicanda uma teoria de análise dos modelos urbanos, desenvolvida na Bartlett School of Atchitecture and Planning, da Universidade de Londres, e estudada no Brasil por professores e alunos da Universidade de Brasília (UNB). No livro, Edgar junta informes pertinentes ao esclarecer que os projetos arquitetônicos não são apenas úteis ou simbólicos, mas contribuem para a transformação do espaço e acarretam influências nas relações interpessoais. A fim de explicitar melhor a relação de A Febre de Urbicanda com tais teorias urbanísticas, o pesquisador desfila dois modelos teóricos estudados na arquitetura: o Paradigma da Formalidade, o qual, embora contenha caráter universal e advenha desde tribos primitivas até planejamentos atuais (como é o caso da cidade de Brasília), esbarra na assepsia total, isolando os indivíduos; e o Paradigma da Urbanidade, cuja presença também é intemporal, mas prima pela continuidade e não ruptura dos espaços, contribuindo para a intercomunicação humana. Nesta história em quadrinhos, Urbicanda é uma grande cidade fictícia planejada, que tem como expoente maior o urbitecto (neologismo inventado pelos autores franceses) Eugen Robick, com forte inclinação pelo Paradigma da Formalidade e que vê seu ideário transformado ao não conseguir solucionar a intromissão de um cubo cujas arestas começam a crescer e a se replicar, desestruturando toda a aparente "ordem" da megalópole. Se inicialmente o governo principia a se desesperar, a população começa a tecer novas formas de relacionamentos entre si, diferentemente de quando o cubo não existia, pois agora as pessoas usam suas gigantescas arestas como pontes, inclusive retrabalhando nelas grafismos e outras utilidades criativamente despertadas. Robick então percebe gradualmente que este outro paradigma, embora demonstre certa caoticidade, possui uma organização inerente única e necessária, que influencia diferentemente os relacionamentos dos cidadãos, fazendo-o repensar a questão humana e urbanística. É claro que esta História em Quadrinhos é muito mais complexa, e Edgar, como conhecedor igualmente da área dos quadrinhos e arquitetura, consegue passar diversas outras informações pertinentes às duas artes, enriquecendo ainda mais a simbologia contida no álbum, demonstrando a importância essencial que pode ter uma expressão artística como a das Histórias em Quadrinhos, permitindo uma codificação e uma interpretação renovadas. Franco ainda tece mais alguns dados relacionando a função "arquitetônica" dos artistas das HQs ao comporem suas páginas, tanto no papel como no computador. Ao final do livro, o autor e pesquisador conclui o trabalho com sua História em Quadrinhos Dogmas como Pirâmides, elaborada especialmente para uma melhor compreensão de toda a pesquisa, explicitando e ratificando os conceitos anteriores por ele abordados, especialmente aqueles contidos no capítulo que relaciona A Febre de Urbicanda aos dois paradigmas arquitetônicos, apresentando na sua HQ fantástico-filosófica uma espécie de embate entre arquitetos das duas teorias (vale lembrar que Alan Moore também discorre acerca do poder imagístico e sua influência na mente humana, através dos simbolismos contidos nos estilos arquitetônicos, principalmente em catedrais religiosas, no primeiro volume da obra Do Inferno). Enfim, o livro História em Quadrinhos e Arquitetura, fartamente ilustrado, expõe quão necessários são os quadrinhos como meio de expressão, pois lidam com imagens que podem funcionar de forma distinta das de um livro teórico, trazendo instigantes informações que podem (e devem) ser posteriormente analisadas, ampliando e melhorando o embasamento teórico de quaisquer áreas. Se a função de um livro é esclarecer vários conceitos de forma concisa e até ilustrada, uma História em Quadrinhos pode auxiliar nesta tarefa, tendo sua importância como distinta mediadora na formação educacional, como se verifica através dos inúmeros exemplos contidos no livro ora resenhado. Como se percebe pelo valor intrínseco da potencialidade imagística das Histórias em Quadrinhos, é nítido que elas também servem de fonte pertinente (e necessária) em cursos universitários, como por exemplo os de artes e arquitetura, em muito auxiliando os futuros profissionais em apontamentos e elucidações teóricas e reflexivas.
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