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Por José Salles 23/09/2005 Nos primeiros anos da década de 80 do século passado, lendo uma revista da Welta, do paraibano Emir Ribeiro (naquela época ainda era com "W", hoje os fãs sabem que já virou Velta), fiquei sabendo da existência do fanzine Historieta. De posse do endereço, escrevi ao editor, o sr. Oscar Kern, dizendo-lhe que estava interessado em conhecer sua publicação. Não me chegou nenhuma resposta. Anos depois, mandei uma segunda carta - e nada. Historieta continuava sendo um grande mistério para mim. Não quero que os leitores pensem que tenho qualquer ressentimento do sr. Kern - vai saber se as cartas que enviei chegaram mesmo, e por outra, soube de alguns problemas de saúde que há anos atrasam a vida do editor e que são os grandes responsáveis pelo aparente desleixo com os missivistas. De qualquer forma, é claro que este fato, teoricamente banal (e que, insisto, não me traz o menor ressentimento do sr. Oscar Kern), acabou sendo muito importante em minha vida: afinal, se eu tivesse tomado contato com o Historieta, na época em que escrevi a primeira carta, minha vida teria sido muito diferente. Mas enfim, deixemos de lado estas elucubrações hipotéticas, típicas de quem passou (e ainda passa) a vida inteira lendo gibis sobre planetas paralelos, realidades alternativas, histórias imaginárias e túneis do tempo. O que acontece é que só fui conhecer o Historieta em meados da década de 1990: algumas raridades originais nas mãos de amigos e edições especiais lançadas como gibis em bancas, que na verdade eram coletâneas com grandes publicações do fanzine - e o gibi mais notável do Historieta (pelo menos é o único que eu conheço!) foi lançado pela Press Editorial em 1986 - mas que eu só vim a conhecer dez, doze anos depois, resgatando um exemplar num sebo de usados. E a primeira HQ desta edição é de uma curiosidade ímpar: quadrinho nacional dos anos 40 do século XX, assinado por Carlos Arthur Thiré (marido da atriz Tônia Carrero e pai do dramaturgo, ator e cineasta Cecil Thiré). Três Legionários de Sorte - irresistível aventura bem-humorada (e não é pra menos: legionário francês com ginga carioca, é o fino!) sobre três amigos que estão em quartéis da Legião Estrangeira em algum lugar do Magreb. Bilescu, Buck e "Pintado" - apelido do jovem soldado com sardas no rosto. Este último, a propósito, é quem terá mais destaque do que os dois amigos: apaixona-se pela filha de um severo coronel que, contrariado com o flerte do soldado, chega a mandar "Pintado" para a cadeia. Aí sim entram em ação os amigos - mas só para zoar com o apaixonado e encarcerado colega, libertando-o muito depois do que realmente poderiam. Tomado pela paixão, "Pintado" vai atrás da moça e, como só acontece com os bons personagens de HQ, acaba salvando o dia: um espião árabe ameaçava o coronel e outros oficiais, cabendo a "Pintado" dar um tabefe no sujeito e ganhar moral com o "sogro". Além do vilão, há uma outra passagem na história que poderia, nos dias de hoje, levar o autor à cadeia, acusado de anti-islamismo - e, mesmo que não fosse preso, talvez despertasse a fúria dos filhos de Alá: para chamar a atenção da moça, "Pintado" mente a um grupo de nativos dizendo-lhes que ela estaria precisando de carregadores. Imediatamente a filha do coronel é cercada pelos afoitos rapazes e então "Pintado" chega dando porrada nos marroquinos (ou argelinos) e assim, espantando-os, ganha atenção e confiança da moça. Felizmente o herói faz média com os filhos do islã, no final da história: após a rendição do espião árabe, "Pintado" impede que o coronel agrida covardemente o prisioneiro - isso enfurece o pai da moça, mas "Pintado" não desiste de conquistar seu amor. De acordo com o texto introdutório escrito por Oscar Kern, Thiré teve intensa produção quadrinhística, apesar de seu desaparecimento precoce aos 45 anos. A página dupla que segue após a HQ dos legionários é um singelo momento de nostalgia afetiva, onde Jorge Barkwinkel fala sobre uma coleção de livrinhos de bolso (que eram chamados "tijolinhos"), lançados no Brasil via Suplementos a partir de 1938, com os mais variados personagens dos quadrinhos. Na falta de fotos para ilustrar a coleção, há uma notável reprodução em desenho dos diversos exemplares lançados em priscas eras (não consegui identificar se se tratava de publicidade da época - provavelmente sim, pois tal tipo de "reclame" era muito comum, até os anos 1960). Na seqüência, HQ publicada em sentido horizontal, onde Deodato Filho (hoje internacionalmente reconhecido como Mike Deodato Jr.) ilustra um roteiro assinado por seu pai com o personagem Ninja (cujo visual me lembra um pouco aquele Fantomas - A Ameaça Elegante que era publicado pela Ebal). Basta ler para perceber que a paixão por super-heróis, e o talento inegável para desenha-los já vêm de longe, em traços requintadíssimos. Confesso a vocês que prefiro estes desenhos desta história do Ninja a qualquer coisa que o brilhante Deodato Jr. tenha feito pela Marvel - mas entendam que é um gosto de leigo, de quem não sabe desenhar uma linha reta usando uma régua, ou seja, é muito mais um sentimento afetivo do que uma opinião técnica, portanto. Depois do Ninja segue então uma história de três páginas com o precioso traço de Mozart Couto, mostrando um de seus inúmeros "Conans". A sessão de cartas, como não poderia deixar de ser, é polêmica e militante, com farta divulgação de trabalhos dos leitores. Esta edição especial de Historieta (uma singela, digna e justíssima homenagem em 44 páginas) termina com chave de ouro mostrando uma HQ futurista-urbanista cheia de selvageria, escrita por Gilberto Camargo e valorizada pelo traço firme de Watson Portela.
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