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Por José Salles 31/08/2005 O fascínio que as artes marciais exercem sobre o público consumidor de cultura pop é algo mais do que evidente e já foi tema de uma infinidade de artigos. Os filmes de Bruce Lee, Sonny Chiba, Jackie Chan, Jet Li e tantos outros causaram furor por onde passaram (e ainda causam, em todos as locadoras e canais de TV), e até hoje são objeto de culto entre um considerável número de cinéfilos. Nada mais natural que tais filmes tenham empolgado também quadrinhistas espalhados por todo o planeta, tendo sido criados no papel numerosos personagens que se destacam pelo domínio das artes marciais, ganhando toda simpatia dos fãs. Editores perspicazes perceberam o filão e não deixavam as bancas sem revistinhas de kung fu. E hoje em dia não há super-herói que se preze que não conheça artes marciais. Aqui no Brasil há uma vasta tradição de bons personagens em quadrinhos bambas de artes marciais: o Judoka, Ninja (Deodato Filho), Karate Men, Mão-de-Ferro, Sanjuro (um samurai no velho oeste, lembrando o seriado televisivo Kung Fu com David Carradine), Mestre Kim, Cinthia (de Oscar Kern), Tetsuo (ah, que saudades da revista Kiai... e como são difíceis de se encontrar nos sebos os antigos números desta publicação da Editora Grafipar) – e já que estamos falando do Brasil não nos limitemos às modalidades orientais, e acrescentemos a esta nossa lista a capoeira, onde me lembro imediatamente de dois outros personagens: Meia-Lua,O Rei da Capoeira (outro que era publicado na Kiai, desenhado por Julio Shimamoto) e Corcel Negro (que nos dias de hoje tem até fanzine próprio). Um outro personagem que parece uma ovelha negra neste time, é o Guerreiro Ninja criado por Tony Fernandes. Fernandes & equipe formaram um dos mais produtivos estúdios de HQ (especialmente a partir da segunda metade da década de 1980), lançando às bancas vários gibis de diversos tamanhos e com variados personagens, dentre os mais conhecidos podemos citar Fantasticman e Fantasma Negro, além do já citado Guerreiro Ninja. E para falar sobre este, ninguém melhor que o próprio autor (leiam na seqüência texto que vinha publicado nos gibizinhos de bolso A Maldição do Guerreiro Ninja, lançados nas bancas por volta de 1996 pela editora Noblet): “ (...) dois agentes da divisão especial de Polícia de Nova Iorque se transformam em Guerreiros Ninja, para combater o crime organizado, as drogas e o terrível Mestre Higuchi, o Senhor Supremo da Organização do Mal, uma seita Black Ninja que converte os seus seguidores em assassinos e prega o domínio total e a submissão da humanidade à filosofia maligna (...). Na verdade, Bishop e Higuchi são as reencarnações de dois espíritos ninjas do Japão medieval, inimigos mortais desde então e que agora retomam sua batalha na Nova Iorque do século XX – e tais episódios ancestrais são narrados nas HQs através de flashbacks que mostram uma boa pesquisa sobre a época histórica. Higuchi arrebata para si diversos aliados, enquanto o herói pode contar com a ajuda inestimável de Susan além do Esquadrão Ninja da polícia de Nova Iorque (é mole?). Quanto aos uniformes, os ninjas do bem só se diferenciam dos ninjas do mal graças a uma caveirinha estampada nos capuzes dos Black Ninjas – e os uniformes de Bishop e Susan (uma ninja mascarada e de minissaia) aparecem magicamente quando ambos tocam os anéis que possuem e que mostra o símbolo do yin-yang (alguém aí lembrou do gênio Shazzan dos desenhos de Hanna-Barbera?). Esta mágica troca de uniformes, por sua vez, é inspirada provavelmente nas histórias de outro super-herói brasileiro de artes marciais, o Judoka (que também tinha sua parceira moça Judoka, Lúcia). Guerreiro Ninja é um personagem que levanta outra antiqüíssima discussão acadêmica: será que as histórias-em-quadrinhos do estilo super-heróis feitas aqui no Brasil podem ou não ser consideradas “coisa nossa”? Pra vocês terem uma idéia de como isso já vem de longe, olhem que curioso este comentário do sr. Moacy Cirne publicado pela Revista de Cultura Vozes de janeiro/fevereiro de 1971 – num artigo em que falava sobre o Judoka, personagem que na época alcançou inesperado sucesso de vendas pela Ebal. Mesmo reconhecendo as virtudes do personagem e ilustradores, conclui o sr. Cirne que “o Judoka, um herói brasileiro, não se coaduna com a estrutura ideológica da sociedade brasileira. Porque não serão as aventuras no interior do Maracanã, no interior de Minas Gerais, no Pão de Açúcar ou em Recife que o tornarão um herói de nossa gente, como um Macunaíma”. Imagino que, nos dias de hoje, passado tanto tempo após este artigo, o sr. Cirne tenha talvez mudado de opinião – mesmo porque, num outro ensaio que escreveu por esta época, A Linguagem dos Quadrinhos, o autor quase não consegue esconder sua admiração pelo Raio Negro de Gedeone Malagola. E um personagem como o Guerreiro Ninja transgride visceralmente a assertiva feita pelo sr. Cirne em 1971: um gibi de herói feito no Brasil onde não só todos os personagens são estrangeiros mas também a ação transcorre nos EUA, e que, entretanto, demonstra uma brasilidade entusiasmante. Tony Fernandes ambientou as aventuras do Guerreiro Ninja em Nova Iorque - como poderia fazê-lo em qualquer grande cidade deste nosso planeta massificado -, mas uma leitura atenta dos diálogos e uma boa percepção dos roteiros nos farão perceber inegáveis talentos e bom humor muito brasileiros de seus criadores. Moçada, é hilário ver os bandidos tomando cacete exclamando “puta merda!” ou “caralho, que pancada!”, e similares. Ao focar a ação num esquadrão policial estadunidense, Fernandes & cia. encontraram uma oportunidade para zoar com a hipocrisia moralista rígida dos defensores do Império, coisa que fizeram com muita perspicácia. E, algo que nunca aconteceu em gibi de super-herói estadunidense, em várias das aventuras do Guerreiro Ninja a gente vê “a coisa entrando”! Porque brasileiro é muito mais sacana, muito mais desencanado pra lidar com o erotismo do que os recatados ianques.
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