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30/06/2005 O período do Segundo Reinado no Brasil foi marcado por uma ilimitada tolerância com relação à imprensa periódica e de propaganda política. Circulavam livremente jornais, livros e panfletos; fazia-se comícios e reuniões públicas; a sátira era cotidiana e até os cortejos carnavalescos contavam com carros representando figuras importantes do Império; havia liberdade de caricatura. Mesmo antes, D. Pedro I era assíduo nas páginas de nossa imprensa, com textos cheios de humor e malícia, por meio de dezenas de pseudônimos como por exemplo "P. Patriota", "Piolho Viajante", "Duende", "Inimigo da Canalha" e "O Açoite dos Patifes". A figura pacata e serena de seu filho, D. Pedro II, e as disputas políticas entre liberais e conservadores animou a publicação de dezenas de "pasquins" críticos, mordazes e satíricos, que circulavam na capital do Império e muitas vezes propagavam idéias republicanas e abolicionistas. A ilustração começou no Brasil em uma data precisa: no Jornal do Comércio de 14 de dezembro de 1837 chamada de Caricatura (uma espécie de folheto litografado) de autoria de um artista consagrado na época: Manoel de Araújo Porto Alegre, que estudou em Paris nesse ano, e trouxe a novidade. A partir daí a influência francesa em nossa ilustração foi marcante, até que em 1859 desembarca no Brasil um piemontês, nascido em Farcelle, Itália, a 8 de abril de 1843, neto materno de uma senhora parisiense que passara a infância e a adolescência em Paris, onde estudou pintura. Esse jovem artista era Angelo Agostini, que já em 1864 estreava no pasquim Diabo Coxo em São Paulo, começando a desenvolver um estilo muito pessoal, diferente da característica francesa, cunhando um traço que depois seria chamado de brasileiro, que criaria uma escola desenvolvida até o final do século 19 por outros artistas. Todo o ambiente político propício foi bem aproveitado por Agostini, que se tornou um dos maiores críticos do reinado. Republicano, anti-clerical (seu traço não perdoou o Papa Pio IX e demais autoridades eclesiásticas brasileiras) e principalmente abolicionista (foi importante seu trabalho para a causa, freqüentando reuniões e atividades públicas), Angelo Agostini era um legítimo brasileiro - embora nunca tenha se naturalizado, para que não pensassem que, nos embates políticos, ele teria medo ou fraqueza. Afinal, corria o risco permanente de deportação. Durante 46 anos, de 1864 a 1910, Agostini, além da sátira e crítica política, desenvolveu uma perspicaz e minuciosa observação do tipo humano brasileiro, especialmente o carioca. Como outros artistas e propagandistas republicanos, criou um símbolo do homem nacional: um índio soberbo, ao estilo de O Guarani que sempre aparece nos seus desenhos, carregando os desmandos do Império: impostos, parlamento, políticos, "afilhadagem" ou observando inconformado as trapalhadas da corte. Diabo Coxo e o Cabrião Angelo Agostini começou a desenvolver sua arte em São Paulo. O primeiro jornal foi o Diabo Coxo, o primeiro periódico ilustrado editado na cidade. Semanário, começou a ser publicado em 17 de setembro de 1864, tendo duas séries de 12 números, sendo o último conhecido em 31 de dezembro de 1865. Redigido por Luiz Gama (1830-1882), o Diabo Coxo também tinha a colaboração de Sizenando Nabuco. Os desenhos de Agostini já impressionavam. Ele construía e movimentava seus desenhos com uma impressionante facilidade. Foi célebre a caricatura do desastre ocorrido com o trem inaugural da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, na várzea do Carmo, que descarrilou, ferindo o presidente da Província e estragando toda a cerimônia. Já Cabrião surgiu em 30 de setembro de 1866, circulando semanalmente com 51 edições até 29 de setembro de 1867. Redigido por Américo de Campos e Antonio Manoel dos Reis, era adepto ao Partido Liberal. Agostini encontrou um período fértil para sua sátira: a Guerra do Paraguai, com caricaturas, desenhos, ilustrações de soldados mortos e mapas, ocupou muitas vezes as páginas do Cabrião, não esquecendo a sátira ao Duque de Caxias e ao recrutamento de voluntários para o conflito. O artista criou o símbolo do jornal: um tipo popular e mordaz chamado Cabrião que percorria as ruas da cidade atrás de tipos curiosos e atazanando os políticos do Partido Conservador. A capital do Império e Nhô Quim Angelo Agostini muda-se para o Rio de Janeiro em 1867 e colabora durante um ano para O Arlequim. Em 1868 está no Vida Fluminense, onde publica nove episódios de uma história em quadrinhos, editada horizontalmente, que conta as trapalhadas de um interiorano em uma viagem pelo Rio. As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte começou a ser publicada semanalmente em 30 de janeiro de 1869. Agostini intensifica sua atividade abolicionista sendo interpretado por José do Patrocínio assim: "Quando o escravismo pretendeu levantar a opinião, chamando-o estrangeiro, audaz, hóspede ingrato, Angelo sorria-se e limitava-se a dizer: 'Bom, enquanto não me deportam, eu aproveito para dizer o que sinto e o que eu penso...'". No Vida Fluminense, até 1871, Agostini desenvolve sua observação sobre o tipo popular, retratando o caixeiro em domingo, o mascate, o chim do pesado, a mucama alcoviteira, a mulatinha cheia de dengos e a sinhazinha. Também desenvolveu à fundo a metamorfose de importantes figuras da corte em animais característicos. Seu lápis continuou fulminante. Na década de 1880 funda a Revista Ilustrada, onde ficam famosas as páginas duplas consagradas aos carnavais de 1881, 1882 e 1883, estampando dezenas de figurinhas entre deuses, heróis, índios, guerreiros, religiosos, políticos, populares e até o imperador. Nessa revista, Agostini desenvolve As Aventuras de Zé Caipora retomando o tema de Nhô Quim, aparecendo em longos intervalos, a partir de 1884, e depois em folhetos. Fez tanto sucesso que em 1901 voltaria no D. Quixote e na revista O Malho de 1904 em diante. Agostini, além do traço, percorria os salões com óleos e aquarelas com paisagens do Brasil e da Europa, e também aproveitava a ocasião para ironizar outros artistas plásticos com caricaturas de suas obras. Fazia isso regularmente desde 1872. O advento de abolição e da República não aquietou o lápis do desenhista. Ele continuou satirizando os políticos e os costumes da capital do começo do século nas páginas da famosa revista O Malho. Nas portas da velhice, no início de 1904, tem uma breve passagem pelo jornal Gazeta de Notícias e em 11 de outubro de 1905, com Luiz Bartolomeu de Sousa e Silva, funda a mais importante revista infantil do Brasil: O Tico-Tico. Agostini desenharia o primeiro cabeçário, com um grupo de garotinhas nuas brincando entre as letras da revista. É de Agostini também História de Pai João no quinto número, a capa da edição de 10 de janeiro de 1906 e uma série, A Arte de Formar Brasileiros, iniciada em maio do mesmo ano. Continuou desenhando nas páginas de O Malho até às vésperas de sua morte, num domingo, 23 de janeiro de 1910, cansado pelos anos de trabalho e atingido pela morte de seu amigo de 50 anos, Joaquim Nabuco, que falecera no dia 17, em Washington. No sábado Agostini participou de uma reunião com os antigos membros da Confederação Abolicionista para homenagear o velho companheiro de lutas. Alquebrado pelos anos e fustigado pelo violento verão, ele voltou para sua casa, triste e saudoso, falecendo no dia seguinte. Deixou uma obra memorável, num volume surpreendente em quantidade e qualidade, criando um estilo único, pioneiro e precursor da caricatura nacional. Sua importância para a arte do desenho e da sátira de costumes só seria igualada a outro mestre: J. Carlos. Angelo Agostini é lembrado e reverenciado ainda hoje através da premiação anual da AQCESP - Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, com o troféu Angelo Agostini, marcando a data da publicação do primeiro episódio de Nhô Quim em 30 de janeiro de cada ano como o Dia do Quadrinho Nacional. Por Worney Almeida de Souza |
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