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Mil Perigos - Parte 3
Por José Salles
31/05/2007

Capa da Mil Perigos #5 

E o personagem mais polêmico, o Gato Radical, é indissociável da Mil Perigos (não foi à toa que ganhou capona no primeiro número). Criado por Fraille (t.c.c. Hulk, músico da banda roqueira Kães Vadius), em traço nervoso, frenético, caricatural, influenciado pela música psychobilly e os filmes de terror extremo, Gato Radical é um dos bichos mais escrotos e engraçados que eu já vi, e merece tranqüilamente figurar entre os gatos mais fodões dos Quadrinhos. A origem do tipo não poderia ser mais doidona: o Gato Radical surgiu através de um desenho feito pelo jovem cartunista Hulk’a’billy (alter-ego do autor), e que ganhou vida após ter sido desenhado por um lápis alienígena que foi atirado da janela de um disco voador e caiu em cima do garotão. Impressionado com a voracidade sexual do seu personagem, Hulk’a’billy decide terminar com ele, mas perdera o controle de sua criação, e o Gato voltou mais violento do que nunca, de fazer inveja ao Jason de Sexta-Feira 13, não perdoando nem mesmo nenezinhos fofinhos.
 
Outros autores assinaram HQs na Mil Perigos, e por se tratar de artistas que admiro, faço questão de que seus nomes constem deste artigo: o paraense Paulo Emmanuel (que desenha um interessante strip-tease galináceo no primeiro número), Luís Schiavon (em especial Davi e Apolo, no número 4, onde subverte obras clássicas, renascentistas e barrocas), José Duval (Bang-bang à Brasileira, publicada no número 5, um spaguetti-western surrealista passado nas ruas de alguma grande cidade brasileira), Cavani Rosas (ilustrando a estonteante Amor à Primeira Vista, roteiro de Eddy Gomez, narrativa magistralmente ilustrada sobre a solidão humana – especialmente a masculina), e Luiz Gustavo, o traço mais cool dos Quadrinhos, com suas pin-ups gostosinhas morrendo de amor & tesão por cafajestes agressivos.
 
A partir do momento em que todos, ou quase todos os colaboradores da Mil Perigos haviam sido profícuos fanzineiros, nada mais justo que a revista ganhasse, ela também, charme e conteúdo de fanzine. A exemplo do que já havia feito a Mega Zine com o encarte Mega Fanzine, a revista Animal com o Mau Zine, e também a Chiclete com Banana com o Jam, a Mil Perigos a partir do número 3 passou a ter o seu zine dentro da revista, que batizou de Caderno Risco. Muito diferente do Jam e do Mau, Risco trazia basicamente uma extensa entrevista com algum nome conhecido dos Quadrinhos brasileiros. Falaram o que quiseram nas páginas da revista os ilustradores Luiz Gê, Edgar Vasquez e Angeli. A entrevista de Luiz Gê causou resposta agressiva de outro grande artista brasileiro dos Quadrinhos, Ofeliano de Almeida, o que resultou num tremendo bate-boca na sessão de cartas da revista (e quando dois artistas deste nível discutem assim, todos nós saímos perdendo). Bem, concordemos ou não com estes senhores, sejam considerados “paneleiros”, alienados, arrogantes, ressentidos, etc., são pessoas que deram e ainda estão dando tremenda contribuição aos Quadrinhos, e por isso deverão ser lembrados: pelas suas obras, menos por seus egos.
 
Foi também a partir do número 3 que Mil Perigos passou a apresentar um tema específico que permeava quase todas as HQs & textos que se publicavam naquelas específicas edições: no número 3, sobre as mocréias; no 4, sobre as ninfetas, e no 5, sobre a morte. Sobre as ninfetas a discussão foi muito oportuna, já que por esta época um livro de fotografias muito polêmico ganhava as páginas dos jornais: Anjos Proibidos, de Fábio Cabral, com 25 fotos de meninas entre 9 e 13 anos em posições sensuais – trabalho que foi devidamente autorizado & acompanhado pelos pais (provavelmente loucos para que as pimpolhas se tornassem celebridades precoces e enchessem as burras das família), mas que causou enorme polêmica ao ser acusada de infame e então perseguida pelos representantes da moralidade de fachada. Assunto que rendeu dois bons artigos na Mil: Tesão Delicado, de Niki Nixon (que escreveu, a propósito, artigos sobre os três temas abordados na revista); e Ninfeta Pode ou Não Pode?, de André Barcinski, mostrando que a atração que os varões sentem por jovenzinhas tem exemplos históricos, musicais e literários. Foi Barcinski, a propósito, quem assinou Lixolândia, uma coluna onde tinha espaço para fazer comentários furiosos contra algumas coisas realmente irritantes – mas havia também amenidades, como dicas de CDs e filmes. A Lixolândia do número 5 tornou-se antológica por antecipar o sucesso da banda Nirvana. Rogério de Campos também colaborou com textos para a Mil Perigos, seja dando notas sobre Quadrinhos, seja escrevendo sobre a livraria/editora Devir, e o melhor de tudo, artigo superilustrado sobre o quadrinhista estadunidense Basil Wolverton (uma das influências de Marcatti).
 
Mas sem dúvida o mais polêmico & provocativo colaborador da Mil Perigos foi Glauco Mattoso, que sob seu pseudônimo/personagem Pedro, o Podre assinava a devastadora Treta Entre Tribos (pronuncie três vezes seguidas, rapidamente, e sem engasgar). Logo no primeiro número, Glauco/Pedro entrevista o sul-matogrossense Osvaldo, tremendo divulgador skinhead do centro-oeste (na época era líder da banda Carbonários, mantinha programa de rádio, promovia shows com bandas carecas, enfim, um hiperativo militante do movimento skin). A despeito dos esforços de entrevistador e entrevistado em separar o joio do trigo, explicando que nem todo skinhead é um racista intolerante, fico imaginando o que aconteceria se uma entrevista como esta (cujo título é Grande Campo Para o Avanço Skinhead) fosse publicada nos dias de hoje aos leitores da revista Caros Amigos, onde Glauco Mattoso mantém uma coluna mensal com sonetos & crônicas, ou sonetos em crônicas. A partir do segundo número a coluna Treta Entre Tribos viria com uma diagramação que relembrava o Jornal Dobrábil, notório fanzine editado por Mattoso nos anos 1970. E uma entrevista dupla, com Pedro e Hulk da banda roqueira Kães Vadius – e como vocês já sabem, Hulk não é o gigante verde, mas o Fraille autor do irrequieto Gato Radical. Chega o terceiro número e Pedro Podre Mattoso entrevista o punkrocker Rédson, da banda paulistana Cólera.  Glauco ainda voltaria no quarto número da Mil, desta vez entrevistando um radialista marginal, mas o que chamou a atenção nesta que foi a derradeira participação de Glauco Mattoso na revista, foi sua autoproclamada greve de silêncio, segundo o próprio Glauco devido ao boicote que ele e Marcatti sofreram da organização do prêmio HQ Mix por causa do explosivo álbum em Quadrinhos As Aventuras de Glaucomix o Pedólatra, com aquele personagem tarado por pé chulepento de homem (Glauco Mattoso confirmou esta denúncia de boicote artístico, em entrevista para o Arquivo Geral Videozine).
 
O editorial do quinto número de Mil Perigos, apesar de constar um certo pessimismo com as agruras do mercado editorial brasileiro, ainda chegou a dizer textualmente: “Mil Perigos seis dia 15 de janeiro nas bancas. Aguardem!”. Uma promessa não cumprida, como se viu. Mas enfim, desde o começo os editores sabiam onde estavam pisando, e as tentativas de se fazer & divulgar cultura de forma série e dedicada, especialmente em países subdesenvolvidos, é trajetória que envolve muito mais que mil perigos...

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