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Zhor - O Atlanta: mitologia e ficção científica
Por José Salles
15/02/2006

Comentarei agora sobre um gibi que jamais conheci no passado, senão recentemente, quando o encontrei numa prateleira de uma livraria de usados. Jamais ouvira falar de tal personagem, mas como nos últimos tempos venho me interessando cada mais sobre super-heróis de quadrinhos concebidos por autores brasileiros, não titubeei em trazê-lo para minha coleção. Escondido sob uma pilha de outros gibis, lá estava este raríssimo exemplar de Zhor - O Atlanta (editado pela saudosa Editora Taika). Os leitores mais calejados sabem da dificuldade de se encontrar não só exemplares, mas principalmente informações sobre super-heróis brasileiros dos quadrinhos das décadas passadas (o que seria de nós sem Antônio Luiz Ribeiro?). De Zhor nada encontrei a respeito nem mesmo no Esses Incríveis Heróis de Papel, de Cavalcanti. Esta edição da Editora Taika, de 92 páginas(!!!) em p&b e papel jornal (exceto pelas páginas centrais, das quais estarei falando a seguir), não contém sequer o ano de lançamento - um desleixo comum nas publicações da época (virada dos anos 60 e início dos 70 do século XX) - a propósito, em conversas com quadrinhistas que trabalharam fartamente neste período, pelo visto houve desleixos muito piores do que este, e o mais grave de todos, penso eu, é o imbróglio sobre direitos autorais que inibe a republicação de clássicos como este Zhor.

Clássico, sim, vocês não leram errado. Sei que muitos dos personagens criados nesta época não duraram, principalmente por serem muito ruins, e não tiveram fôlego para uma segunda história ou um segundo número (e ainda não sei se foi este o caso de Zhor). Tipos geralmente criados à imagem e semelhança dos similares ianques Marvel e DC (mas mesmo assim com inequívocos sinais de brasilidade e patriotismo). Pouco se salva neste período exceto algumas histórias e personagens de Gedeone Malagola e Eugênio Colonnese. Vendo a capa desta edição, o nome Zhor destacado acima da imagem de um guerreiro olímpico, a primeira vista simplesmente trocamos a letra "T" por "Z" e imaginamos que se trata de um plágio chucro do Deus do Trovão da Marvel Comics - a surpresa é tanta que, após a leitura desta revista com este personagem de Francisco de Assis P. da Silva, ficamos abismados ao perceber que Zhor consegue em alguns pontos superar a antológica criação de Jack Kirby e Stan Lee - especialmente no embasamento histórico-mitológico. Terminando de ler Zhor, fica evidente que seu autor fez imensa pesquisa histórica para conceber seu personagem - Zhor é um guerreiro e líder da Atlântida, construída a partir de elementos encontrados historicamente nas diversas civilizações da antiguidade, notadamente às gregas, incas e hindus. A Atlântida de Francisco de Assis ergue-se e desaba segundo registros de relatos de grandes homens destas sociedades, compilações religiosas diversas, e a assombrosa suspeita, este magnífico enigma que é a presença de seres alienígenas e sua marcante interferência (e domínio) nestas sociedades. Além deste apurado senso de historiador, e de um fascinante lirismo mitológico, Francisco de Assis se mostra um ágil e vibrante roteirista de HQ. As aventuras de Zhor parecem fortemente influenciadas pelas tiras de aventuras da Era de Ouro dos comics - muito mais do que o visto em Thor, o visual (especialmente o vestuário) de Zhor assemelha-se muito mais às histórias de outro herói da ficção científica: Flash Gordon. Nota-se também, nos trajes das personagens de Zhor - O Atlanta, forte influência dos seriados de TV que eram exibidos na época, como Perdidos no Espaço e Jornada nas Estrelas.

A primeira história deste primeiro número de Zhor - O Atlanta, chamada Guerra Contra os Lemurianos, (desenhada pelo incansável W. Amaral) mostra como é a sociedade ateniense, e então apresenta seu guerreiro máximo, o Arconte Polemarcho, Zhor! Ele se descontrai das penosas obrigações do reino caçando um javali e, pouco após matar o enfurecido bicho, enfrenta um mini-dinossauro (ah, os bichos de Atlântida têm todos eles nomes meio incomuns a nós contemporâneos). Zhor enfrenta este "Gravtk" primeiro com a espada com que matou o javali, mas vendo que esta seria inútil, mete um tiro de laser nos cornos do animal. Após ser informado de que os lemurianos estavam mandando tropas para invadir sua pátria, Zhor voa em seu disco-voador (sua Vimana) para chegar mais rapidamente à Sala de Reuniões onde, frente ao senado e a assembléia popular, sentindo-se o herdeiro do deus Marte, Zhor proclamará majestosamente a guerra contra os invasores. Todos gritam, em uníssono: "Guerra! Guerra! Viva a Atlântida". As páginas seguintes mostram os desfiles e manobras militares, e especialmente, em detalhes, movimentos e estratégias de batalhas, ação desenfreada que faz desta HQ um digno e esquecido épico da antologia brasileira. A segunda história (desenhada por Moacir Rodrigues) mostra a origem de Zhor e muito mais que isso: a ascensão e derrocada de Atlântida (catástrofes naturais ou a fúria dos deuses?).

A derradeira HQ de Zhor o Atlanta n. 1 chama-se Ameaça Submarina (desenhada mais uma vez por Amaral, desta vez arte-finalizado por Milton) e é a mais sci-fi das três que constam no gibi. Zhor fica preocupado com um monstro marinho que vem assustando os pescadores de Atlântida - e o que ele descobre é um grupo de asquerosos homens-peixes (que na verdade são andróides manipulados por conspiradores lemurianos - nos quais Zhor manda bala, digo, laser, sem dó). Mais do que um gibi, Zhor - O Atlanta n. 1 tem charme de fanzine: há editorial e textos (impecavelmente bem escritos), bem como uma extensa reprodução de parágrafos escritos pelo filósofo grego Platão descrevendo o reino de Atlântida (alguém aí ainda insiste em chamar os gibis de alienantes?). No texto da página central (tão especial que veio impresso em papel cartolina, com mapas cartográficos mitológicos coloridos), o autor nos mostra as intrigantes evidências da passagem e estada de seres alienígenas em seus objetos voadores identificáveis aos olhos dos antigos, através das mais notáveis escrituras clássicas.
 
Fico imaginando um dos motivos de Zhor não ter tido vida longa. Podemos procurar os motivos na conhecida pressão dos comics estadunidenses, mas acho que o buraco é em casa mesmo: conforme denunciou Antonio Luiz Ribeiro no zine Heróis Brazucas n. 21, naquela época (muito mais do que hoje, imagino) os editores e desenhistas nacionais eram, em sua maioria, comunistas, os verdadeiros responsáveis pelo expurgo de vários personagens dos gibis brasucas - e uma HQ como esta, evocando símbolos helênicos e exaltando virtudes militares, deve ter causado não só espanto e perplexidade, mas principalmente repulsa e boicote da parte de stalinistas ignorantes. Muito provavelmente, entre as igrejinhas vermelhuscas o personagem de Francisco de Assis deveria ser conhecido como um "nazistão", e seu Zhor, líder militar bradando pela defesa da pátria, um perigoso agente do Governo Militar brasileiro, pronto para lobotomizar a juventude. Mas nazistas, nós sabemos, são estes que se dizem comunistas, socialistas, petistas e quejandos - pior que isso, são nazistas somente na intolerância, sem preocupações com nenhuma beleza estética.

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