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Entrevista: Gedeone Malagola
Por Rod Gonzales
08/09/2010

"O maior problema do quadrinho brasileiro é a distribuição!"

Em fevereiro de 2006, estive em Jundiaí (SP), na casa do Mestre Gedeone Malagola, um dos nomes mais importantes do Quadrinho Brasileiro. Desenhista, roteirista e editor de inúmeros gibis nacionais na década de 1960 e criador de um dos super-heróis mais lembrados e queridos do Brasil, o Raio Negro.

O que nem eu e nem ele poderíamos imaginar é que esta seria a última entrevista que o mestre concederia em vida. Com a saúde debilitada já há alguns anos, Gedeone nos deixaria, em 15/09/2008. Com o seu inconfundível óculos de lentes e aros grossos, o mesmo com o qual se autocaricaturava como Capitão Op-Art, principal inimigo do Raio Negro, estava com as ideias muita lúcidas e ainda fazia planos para o futuro quando o assunto era História em Quadrinhos! Porém, estava preso a uma cadeira de rodas, desde que sofreu um acidente doméstico provocado por sua cachorrinha de estimação, que, brincando, o derrubou da escada. Essas e outras histórias Mestre Gedeone me contou numa inesquecível tarde de sexta-feira! Essa histórica entrevista publiquei originalmente na revista Mundo dos Super-Heróis e a reproduzo aqui, no Bigorna, como reverência aos dois anos de falecimento completados este mês.

1 - Boa tarde, Mestre. Qual a mais recente HQ que o senhor desenhou?

A mais recente mesmo foi uma do Raio Negro. Tem umas 50 páginas e ainda está inédita.

2 - Por quantos anos conseguiu publicar periodicamente o Raio Negro?

Aí fica complicado dizer com precisão. Foram 16 números. Talvez uns 4 anos.

3 - Houve algum outro personagem que atingiu algo parecido em volumes de publicação?

O Homem-Lua. A turma gostava muito dele também!

4 - Que materiais o senhor usa para produzir uma HQ?

Essa pergunta foi uma surpresa agora! Não uso nem pincel nem tinta nanquim. Eu uso a caneta hidrográfica preta, uma mais grossa e outra mais fina. A hidrográfica só tem um problema, é que não pode molhar. Se molhar, estraga. Então quando eu erro, colo em cima uma etiqueta e acerto o desenho.

5 - Quantos personagens o senhor têm?

Ah, já perdi a conta! Comecei a contar um dia desses, mas são 50 anos desenhando, né? Então são muitos....

6 - O que o sr. acha da super-heroína Velta, personagem do Emir Ribeiro?

Ah, Eu gosto muito!

7 - É verdade que o Raio Negro teve filhos? Quem são eles, quando o sr. os criou?

Depois, na segunda fase do Raio Negro, eu já fiz ele casado com dois filhos, um casal. Mas essa HQ não foi publicada, está inédita. Provavelmente, vai ser publicada. Mas eu vou dizer uma coisa, sinceramente eu nem sei onde está essa história!

8 - Não brinca! Essa história tem que ser resgatada urgentemente!

É que com o meu acidente, eu nem sei onde essa história foi parar. Não sei se está lá na parte de baixo da casa...

9 - É verdade que antes do "Batman, Cavaleiro das Trevas" (em que o Batman tem 50 anos de idade ), o sr. já tinha escrito uma história em que depois de se aposentar o Raio Negro voltava a combater o crime?

Fiz isso, sim. É essa história inédita! Na história ele está aposentado e é dono de uma companhia de táxi-aéreo. O Raio Negro está na casa dele tranquilo e surge um personagem do futuro em sua casa, vestido de Raio Negro, e o leva para o futuro, para combater um bandido que já tinha destruído o Brasil.

10 - O sr. sabe alguma informação sobre as máfias editoriais e de distribuidoras de revistas que proíbem os quadrinhos brasileiros de chegarem as bancas?

A Máfia?!? Sei! A única distribuidora de revistas no Brasil, e vou dizer ÚNICA, é a da Abril, a DINAP! Era do Chinaglia antes, e a Abril também comprou. Então, não há outra distribuidora, são só eles! O Chinaglia ainda pegava editoras pequenas, a Abril não, quer só grandes tiragens. Se você fizer pequena, eles não distribuem, como fizeram com Paulinho Hamasaki. Ele tinha feito uma revista, e aí eles chegaram para o Hamasaki e disseram: “Olha, isso não vai vender. Faça 50 mil.” Hamasaki entregou as 50 mil, e voltaram 49 mil. Ele foi à falência!! Os fiscais da Abril, da Dinap, chegam nas bancas de quadrinhos e falam: "Tira isso daí. Tira isso daí"! O Aizen também fazia isso: "Tira o brasileiro. Põe o meu, aí". Eles são maiores, então o jornaleiro concorda com eles! Houve um amigo meu que já morreu do coração por causa desse tipo de coisa. Foi o Salvador Bentivegna (fundador e dono da Editora Bentivegna), um editor muito camarada, muito bom. E o irmão dele, o João, detestava gibis, então havia briga dos dois. E o Salvador era muito gozador, vivia fazendo piadas com os outros. E ele fazia uma coisa a mais, pagava do bolso dele quando não tinha dinheiro na empresa. Ele tinha amor pelos quadrinhos mesmo! Uma coisa curiosa: um dia encontrei o Salvador na distribuidora. Conversamos, batemos um papo, e achei ele meio esquisito. Aí, ele foi para casa. No outro dia, me telefonaram. Salvador havia morrido!

11 - Porque as pessoas gostam tanto do Raio Negro? Qual o segredo dele?

O segredo dele, segundo Franco de Rosa, é que ele é brasileiro, os assuntos e os cenários de suas histórias são brasileiros. Enfim, é tudo nosso!

12 - Tem um amigo meu, o Bruno, que acha que o Raio Negro ganhou vida própria, e disse que o personagem quer voltar a ação e ser visto e desenhado novamente de qualquer jeito. Ele sente a presença dele. Eu também sinto, e muitos andam desenhando ele. O sr. acredita nessa história?

(risos) Mais ou menos!... Eu gostaria de desenhar o Raio Negro, mas a minha situação está muito ruim. Não posso nem sentar mais. A minha quinta operação e a sexta (que eu fiz em seguida), em setembro e outubro, acabaram comigo. Antes, eu saia da cadeira de rodas e desenhava aqui (aponta a escrivaninha). Essa quinta e sexta operações no prazo de um mês, me abateram demais. Emagreci, perdi peso, não consigo mais sair da cama.

13 - A Patrulha do Espaço, Capitão Astral, Radite... o sr. ainda tem alguma coisa desses personagens?

Não tenho, e você nem vai achar. Eles saíam na revista "Ciência Ilustrada". Antigamente o pessoal mandava as revistas tudo pro ferro-velho. Aquilo foi meu começo nos quadrinhos e foram poucas histórias. Naquele tempo eu nem tinha técnica de desenho, nem sabia direito como fazer os quadrinhos. Aliás, naquela época nenhum desenhista brasileiro sabia fazer quadrinhos, essa que é a verdade. Alguns aprenderam na raça. Álvaro de Moya, que é muito meu amigo até hoje, escreveu pro Milton Cannif (criador de Terry e os Piratas), perguntando como se fazia quadrinhos. E o Milton Cannif explicou pra ele. Aí depois eu também escrevi pro Milton Cannif perguntando a mesma coisa e ele me explicou detalhadamente. Disse: "Faz no tamanho grande. Tem a redução, a letra, isso, aquilo...". Uma coisa que ele me ensinou que eu faço até hoje, e ninguém aqui faz, eu primeiro escrevo a história e vem depois os desenhos. E o Milton Cannif também, fazia os balões e fechava. E o pessoal faz o contrário e estraga o desenho. Pode ver que aqui não tem nenhum balão estragando o desenho.

14 - Quem detém os direitos sobre o Raio Negro atualmente?

Eu tenho o personagem registrado em meu nome.

15 - Já fizeram algum desenho-animado dos seus personagens?

Bom... já tentaram fazer, mas infelizmente não foi para frente...

16 - E o encontro do Raio Negro com outros super-heróis brasileiros clássicos, o sr. já viu algum?

Já vi que fizeram uns aí. Os dos fanzines eu gostei, mas sou franco... não gostei daquela que saiu na revista Wizard.

17 - O que o sr. achou da luta do Capitão 7 contra o Raio Negro que eu te mostrei agora ha pouco? Quem venceria? Teve uma votação e escolheram o Raio Negro.

Votaram, mas deveria ter terminado empatado. Deveriam terminar em uma amizade, isso sim.

18 - O que o sr. achou do encontro do Raio Negro com o Homem-Escudo?

Gostei, mas vou te contar um segredo: eu desenhando o Raio Negro não faço ele pra por cor. Uso muito preto e branco, claro e escuro. É outra técnica.

19 - E desse encontro do Raio Negro com o Gralha, desenhado pelo Marcos Gratão?

Gostei também.

20 - Esses desenhos aqui são do Evandro Molina que me falou da situação do senhor.

Não conheço pessoalmente, mas já ouvi falar muito dele!

21 - O que o sr. achou da Mulher-de-Lua, personagem criada pelo Felipe Meyer?

É meio esquisito, não sou muito favorável a personagem pelada.

22 - Qual seu personagem preferido: Raio Negro, Homem-Lua ou o Jony Star?

É o Homem-Lua mesmo!

23 – Por que só saíram duas edições do Jony Star, se ele fazia sucesso na época?

Só saíram duas e eu só tenho uma ,me falta o número 1. Mas saíram só duas porque o editor Miguel Penteado, que era meu compadre, brigou com o sócio dele e terminou a empresa. Ai foi embora pra Santos ou Mongaguá.

24 - E se o nome fosse João Estrela, o sucesso seria o mesmo?

João Estrela... Pode ser que fosse bem também, né? Mas acontece que o público se habituou ao nome estrangeiro, infelizmente! Nem o europeu tem aceitação aqui. É tudo nome americano!

25 - O sr. esperava que os personagens Raio Negro e Homem Lua fossem durar tanto?

Sinceramente, não. E eu gostava mais do Homem-Lua. Eu trabalhava com o famoso cineasta e animador Roberto Miller, da televisão, e ele queria fazer um filme do Homem-Lua. Ele falava assim: "O Homem-Lua é bem melhor que o Raio Negro!".

26 - O sr. ainda acredita que os super-heróis brasileiros tem chance de conquistar o Brasil?

Eu acho que não. Não é nem questão do herói em si, é questão do poder aquisitivo do povo mesmo. O povo não tem dinheiro pra comprar gibi. Recentemente saiu o livro "100 anos do Tico-Tico", ao preço de 130 reais. Não dá pra comprar! E com o gibi barato acontece outro problema, o muito barato o jornaleiro não quer pegar porque ganha pouco. O jornaleiro fala, "Ah, vou pegar isso aqui para ganhar 10 centavos, 20. Não quero não"! Tem isso também. A distribuição no quadrinho na Brasil é um problema . O maior problema é a distribuição! Conheço o Nordeste brasileiro bem, minha mulher é pernambucana. Eu ia lá pro Nordeste, ficava com o Emir Ribeiro na Paraíba, então, por exemplo, a rodoviária de Recife, é grande, bonita. Eu fui lá e conversei com o jornaleiro da rodoviária, perguntei se vende bastante gibi,e ele respondeu:" Ah, revistas em quadrinhos? Vendo 3, 4 , 5. Ninguém procura. Livro de bolso? Nem pego mais porque não vende nada!"

27- Antes, o pessoal lia mais. Na época do Raio Negro, por exemplo, nos anos 60?

O Raio Negro, na época, vendia 40 mil exemplares. Era o que mais vendia na editora! Depois vinha o Lobisomem, a Múmia, aí vinham outros.

28 - O sr. é considerado o Stan Lee brasileiro.

É um exagero.

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