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Entrevista: Eduardo Manzano
Por Marcio Baraldi
07/04/2010

“A maioria das pessoas que criticam o quadrinho nacional o fazem sem conhecimento de causa!”

Ahhhhhhhhhhh!!!Certas entrevistas dá gosto da gente fazer!Quando a gente pega um sujeito lúcido, sem frescuras, rápido no gatilho e que fala sobre tudo de forma clara, direta e compreensível, é uma beleza! Esse é o caso do Eduardo Manzano, artista que está aí na cena da HQ Nacional há duas décadas, produzindo sem parar. Manzano começou fazendo e colaborando com zilhões de fanzines, mergulhou tanto no mar dos fanzines que acabou lançando um livro de tiras só sobre o assunto, o “No Mundo dos Zines”, pela editora Marca de Fantasia. Depois ajudou o escritor José Salles a fundar a Júpiter II, a mais prolífica editora independente de quadrinhos do Brasil. Com a Júpiter estabilizada, passou a produzir quadrinhos em ritmo alucinado, de todos os gêneros: dos Super-Heróis ao humor. E não parou por aí, Manzano, idealista de nascença, ainda abraçou a causa do Quadrinho Nacional com todas suas forças e faz de sua vida uma eterna trincheira para defendê-lo.

Graças a Deus! Ainda bem que existem pessoas assim ou o mundo seria um comodismo só! Confira nesta entrevista exclusiva ao Bigorna.net, todas as ideias e ideais deste artista e militante-mor da causa da HQ Nacional !Tal qual o personagem Máscara Noturna, do qual é co-criador, Manzano também não tem papas na língua e suas palavras podem queimar os hipócritas como labaredas. FOGO NELES, MANZANO!!!FUUUUSSSSSHHHHHHH!!!!....

1-Pra começar, lembra como eu te conheci?? Você trabalhava num sebo em Pinheiros, eu fui lá comprar gibis da EBAL e você me reconheceu e puxou papo. Lembra disso? Eu comprei muuuuito gibi da EBAL lá (risos)!

Rsrsrsrsrsrs! Rapaz, isso faz séculos e você conseguiu lembrar!!! Me lembrei da situação! Graças aquele emprego consegui montar grande parte da minha coleção e ajudar muita gente a completar as suas também. Você acredita que eu conheci o Spacca, Marcelo Campos e o Joe Prado (o agenciador do estúdio Artecomics) lá no sebo?!? Fiquei amigo de todos eles e muito mais gente graças aquele sebo! Fica aqui o meu conselho, amigos, frequentem sebos porque eles são o refúgio dos quadrinistas (risos)!!!!

2-Por falar nisso, você também coleciona gibis? Você tem uma coleção respeitável na sua casa?

Tenho. Ela é meu orgulho! Tenho por volta de umas 6.000 revistas de todos os gêneros e épocas mas não sou um nerd como muitos pensam, pois muita coisa eu ganhei também. Um dia pretendo doar esse acervo a alguma instituição. Mas meu maior orgulho é a minha coleção de quadrinhos brasileiros! Watson Portela, Shimamoto, Colin, tenho muita coisa rara destes mestres!

Antigamente eu comprava bastante coisa, hoje devido ao nível dos quadrinhos atuais só compro Bonelli, os nacionais e alguma coisinha mais adulta de mangá e alguns americanos na linha Vertigo, pois de Marvel, DC, Image e Cia é impossível achar algo que preste hoje em dia nas bancas em termos de super-heróis!

3-E quais foram os gibis que te marcaram? Aqueles que te fizeram decidir ser quadrinhista também?

Os quadrinhos que me fizeram querer fazer parte desta indústria foram Conan,o Bárbaro de Roy Thomas e John Buscema, Demolidor do Frank Miller, Lobo Solitário e entre os brasileiros, Velta de Emir Ribeiro e o trabalho do meu amigo Laudo. Esses dois últimos me mostraram que eu podia fazer meus quadrinhos também, mesmo sem ser publicado pelas grandes editoras.

Quanto aos estrangeiros que citei eu os lia com aquele tipo de pensamento: “- Puxa, um dia quero fazer quadrinhos como estes mestres!!!”Os quadrinhos também me fizeram apaixonar pela literatura, minha média e de 4 a 5 livros por mês, e os temas que mais gosto são Filosofia e História.

4-Você, como desenhista, é um cara muito versátil. Já vi cartum seu, traço de Super-Herói e até um traço mais europeu, tipo Irmãos Hernandes, no gibi "Alameda da Saudade". Qual o estilo que você prefere fazer, qual você acha que é o teu forte?

Até pela necessidade do mercado publicitário eu tive que, como se diz popularmente, saber chutar com as duas pernas. Lógico que seria pretensão demais dizer que eu faço tudo muito bem, eu diria que o estilo que mais gosto é o que fiz em Alameda da Saudade, pois minha maior influência sempre foi o Watson Portela, aquele traço estilo linha clara dele! Mas, hoje faço um pouco de tudo, desde capas de s para bandas de metal que tenho feito para o mercado europeu com mais frequência, até capas de livros para editoras.

Capa de CD feita por Manzano

5-Você desenhou a primeira HQ do Máscara Noturna, portanto você é co-autor do personagem, certo? O José Salles (chefão da editora Júpiter II e criador do personagem) disse ao Bigorna que não quer mais saber do personagem. Mas e você, tem interesse de continuar produzindo HQs dele, ou pode-se dar por encerrado o Máscara Noturna? Se porventura ele está encerrado é uma pena, pois foi um dos personagens mais bacanas dos últimos tempos, concorda?

Concordo sim! Veja bem, além do visual do Máscara Noturna eu dei a forma para a Zhang, namorada dele, e para a Rita, sua amante, além de inserir a figura do delegado Palhares. Mas, todo o conceito e a mitologia do personagem veio da cabeça privilegiada de nosso amigo Salles, então eu tenho que respeitar essa decisão dele, eu acredito que o Salles não queira mais escrever o Máscara nos moldes como escrevia antes, entende?

O Máscara Noturna criou polêmica pela violência, realismo e ousadia de suas HQs, ninguém no Brasil teve peito para fazer o que fizemos e segurar a bronca! Quem produziu super-heróis aqui até hoje, tinha feito eles todos comportadinhos, visando trabalhar pros gringos (exceto nosso amigo Laudo com sua heroína Meia Lua que já mostrava cenas de sexo) nós não, nós pensamos ““Foda-se!” E se a gente tivesse esse poder e pegasse um pedófilo por aí, o que faríamos? E foi isso que fizemos!!! Mostramos que se pode, sim, produzir esse tipo de quadrinho no Brasil sem imitar os americanos! Os leitores amaram! Até hoje eu recebo emails de todo o Brasil perguntando pelo Máscara Noturna!!! De minha parte eu gostaria de voltar com o personagem com um outro esquema, mantendo suas características, mas respeitando a nova visão que o Salles tem dos quadrinhos. Já tenho algumas ideias na cabeça, vamos ver se consigo convencer o "Boss"!

6-Você criou o Tormenta, meio que para ficar no lugar do Máscara Noturna? Fale um pouco do Tormenta. Qual é o lance dele?

Não, o Tormenta foi criado muito antes do Máscara Noturna, mas caiu no mar e ficou congelado, que nem o Capitão América (risos)! Brincadeiras a parte, o Tormenta ficou na geladeira por anos até eu apresentar a ideia ao Salles, que adorou! O Tormenta, além do visual diferente, tem o diferencial de mostrar um diálogo irônico em suas HQs e o Salles quando assumiu os roteiros, decidiu que nas histórias dele os coadjuvantes teriam papel tão ou mais importante que o próprio Tormenta. Foi uma surpresa para nós que ele tenha se tornando um dos personagens preferidos dos leitores da Júpiter II, por isso aguardem que vêm mais surpresas por aí!!!

7-Você criou a máscara do Tormenta baseado na maquiagem do Gene Simmons, do KISS. Quais são suas bandas preferidas, além do KISS? Você já teve banda de rock?

Eu tenho uma formação roqueira e de Heavy Metal como você também, amigo! Tive algumas bandas sim, e toco contrabaixo. A máscara do Tormenta foi uma forma de homenagear um de meus heróis que é o Gene Simmons, do Kiss. Comecei a tocar contrabaixo por causa dele e de Steve Harris, do Iron Maiden!
Eu faço parte da velha guarda do metal nacional, quando começamos a escutar o som e tocar não havia nem camisetas de bandas pra vender, nós que comprávamos tinta e pintávamos nossas camisas, os instrumentos você tinha que importar e ir buscar depois de um mês nas lojas!!! Minha primeira banda foi a Funeral Attack, ensaiávamos no estúdio do amigo Joe Lee, do Máscara de Ferro, folclórica e pioneira banda do metal nacional! Conheci todo aquele pessoal do Anthares, Cova, MX, Centúrias, Vodu, Viper, etc! E o Metal está no sangue até hoje e nunca vai sair!

8-Que função você exerce na Editora Júpiter II? Você é sócio do Salles ou você edita as revistas da editora?

Além de ser responsável pelo blog da editora, sou responsável por toda a parte visual da editora e do marketing também, sobretudo o que é veiculado via internet.
Na verdade eu sou uma espécie de conselheiro-mor do Salles, já que todas as decisões financeiras e do que será editado, qual o tipo de HQ que trabalharemos, são inteiramente dele, porém tudo é democrático e os artistas de nosso cast são nossa família, sem eles não existiria Júpiter II!

9-No gibi "Alameda da Saudade" você fez algo completamente diferente do que costuma fazer com seus Super-Heróis. É um gibi mais poético, estou certo? Qual foi a inspiração para fazer aquele gibi? O que ele representa pra você?

Alameda da Saudade” é minha menina dos olhos, eu quis fazer uma HQ adulta e relevante com uma linguagem mais humana. Tenho total orgulho deste trabalho e o estou relançando agora em abril, pra comemorar meu aniversário. ”Alameda da Saudade” sou eu, ali tem muito de minha vida, das pessoas que me cercam e do meu universo pessoal, é meu trabalho mais maduro, eu diria que é um encontro entre Love and Rockets e Will Eisner, guardadas as devidas proporções lógico, pois não tive a pretensão de me igualar à estes mestres.

10-Sempre vejo você pela internet comprando briga com pessoas que falam mal do Quadrinho Nacional. Na sua opinião, essas pessoas realmente conhecem amplamente o Quadrinho Nacional pra poder opinar ou falam mal por colonialismo cultural mesmo?

Adorei essa pergunta! A maioria das pessoas que se põem a criticar os quadrinhos nacionais o fazem sem onhecimento de causa, gratuitamente. Algumas pessoas montam até blogs e grupos de discussão para meter o pau nos artistas e em trabalhos que eles nem sequer leram !!! Na verdade são um grupo, sempre os mesmos nerds aloprados de sempre, que só vivem em função de gibis e não têm vida social! Veja, quando você analisa algo o faz por duas vias, já o leigo o faz apenas pela própria opinião, pelo próprio gosto pessoal. É uma forma de análise superficial e sem conhecimento do objeto analisado, ou seja, de pouco valor crítico. Já a crítica séria, racional, que é a análise imparcial, com conhecimento verdadeiro do objeto analisado, poucos sabem fazer.

No Brasil há aquela velha mania de todo mundo pensar que é "Técnico de futebol, Juíz e Perito em alguma coisa", ou seja, todo mundo acha que sabe tudo sobre tudo. E assim é no universo dos quadrinhos também. Então me irrita profundamente quando vejo ataques injustos, sem sentido e gratuitos! Muita dessa gente me xinga e fala coisas de mim,, mas sempre pelo computador, ninguém tem coragem de vir na minha frente e dizer o que disse via internet!

11-Sei que você é um nacionalista. Como combater esse problema do Colonialismo Cultural, de muitos brasileiros terem o vício de achar que tudo que é estrangeiro é melhor que o nacional? Na sua opinião, como se cura essa falta de auto-estima, de auto-respeito que o povo brasileiro tem e qual a origem desse comportamento? Onde e quando começou isso afinal?

Sim, sou nacionalista, mas nunca de esquerda, por favor! Veja bem, eu adoro os quadrinhos americanos, assim como adoro os Fumetti, a Banda Desenhada e os Mangás. Eu acredito que há espaço para todos, o problema é essa cabeça do brasileiro em achar que tudo que é estrangeiro é melhor, eu sinceramente não acredito que isso mude com a velha geração, tanto que nós, da Júpiter II, desistimos de querer conquistar um leitor que já lê Marvel e DC há anos. O Salles está construindo um público com a Júpiter II, não temos nenhum preconceito quando nossas revistas são lidas por pessoas que não são do círculo de colecionadores. Esse público não fica fazendo uma comparação sem sentido entre o produto nacional e o produto de fora, entende?

12-Você conhece os projetos de Lei dos deputados Simplício Mário e Vicentinho (ambos PT)? Você acha que esses projetos são viáveis? Acha que eles resolveriam os problemas do Quadrinho Nacional?

Eu sinceramente acredito que seja uma ótima saída! É preciso mostrar, escancarar o material brasileiro para o público, principalmente para a nova geração! Veja só, os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá ganharam o Eisner Award, o “Oscar dos Quadrinhos”!!! Muito mais gente aqui no Brasil tem condições disso, então como alguém pode dizer que o Quadrinho Nacional não é bom?!? Em todos os países há regras e leis de proteção ao produto nacional deles, então por que essa lei não pode ser aplicada aqui no Brasil também?!?

13-Aliás, na sua opinião, quais são os principais problemas do Quadrinho Nacional?

Uma coisa que me desagrada profundamente, por exemplo, é que quando surgem espaços na mídia são sempre os mesmo quadrinhistas que vemos em jornais diários e revistas que são convidados a participar desses espaços. Então, pra mim, o primeiro problema são essas panelinhas. O segundo é que precisa haver uma campanha forte de incentivo ao Quadrinhos Nacional, é preciso que os quadrinhos parem de ser vistos apenas como entretenimento e sejam vistos também como incentivadores da leitura de livros, sobretudo para os mais jovens!

14-Se você fosse um deputado o que você faria pelo Quadrinho Nacional?

Não entendo da parte burocrática da coisa, mas faria algo no sentido de eliminar qualquer taxa fiscal sobre os quadrinhos produzidos aqui.

15-Sei que você também não gosta da atual fase da Marvel e da DC, preferindo as Eras de Prata e de Bronze (anos 60 até os 80). Faça um paralelo entre essas duas fases e comente as grandes diferenças entre elas. Por que os gibis de Super-Heróis mudaram tanto nas duas últimas décadas?

O grande problema de você levar esta discussão a um nível mais sério é que muitas pessoas preferem usar seu gosto pessoal, do que entender o mercado de quadrinhos como um todo. É aquela diferença entre opinião pessoal e crítica que citei na pergunta lá atrás. 98% dos editores de quadrinhos no Brasil são caras que não conhecem o mercado de quadrinhos e quem conhece prefere apostar no mercado quase moribundo da Marvel, DC e Disney. Os quadrinhos de super-heróis como foram feitos pela Marvel e DC conquistaram milhões de leitores com seu formato, porém a longo prazo mostraram dois grande problemas: primeiro a cronologia, não conseguiram resolver a questão de a cada década, milhões de novos leitores terem a sensação de terem perdido muita coisa, quando começam a acompanhar seus heróis. E isso agora acarretou outro problema grave: a Marvel e a DC não conseguem renovar seus leitores, a molecada conhece seus heróis por causa dos desenhos animados e não dos gibis!

E quando algum moleque tenta acompanhar as revistas se perde no emaranhado de mortes e ressurreições infinitas, crises apelativas, estupros e todo tipo de lixo que os roteiristas atuais de ambas as editoras dizem ser quadrinhos "maduros e modernos". E que os fãs mais xiitas-cegos continuam consumindo pensando serem HQs "avançadas". Todo roteirista de Marvel e DC hoje em dia quer ser o novo Alan Moore. Caras como o Moore surgem um a cada 100 anos, o que ele fez em Watchmen virou modelo de um tipo de HQ que não nasceu para ser levada a sério. HQs de super-heróis são para divertir e não discutir política, sexo e etc. Até aqui no Brasil você vê nas comunidades dos sites de relacionamento os leitores metendo o pau nesta nova fase! Eu vejo estas besteiras que os novos roteiristas de Marvel e DC fazem e dou risada, os caras fazem HQs com o Demolidor, por exemplo, e põem 10 quilômetros de diálogo nos personagens, fazem dramas eternos, pegam coisas do passado e dizem que tudo era mentira, uma bobeira sem fim, por isso há mais de cinco anos não compro mais nada das porcarias destas duas editoras. O último filme de herói que assisti foi Homem-Aranha 1, depois desisti. É tudo muito bobo!!! Não é a toa que a cada ano perdem leitores.

Em compensação eu adoro os desenhos animados novos que DC tem feito desde a Liga da Justiça. Na minha opinião esse é um exemplo que deveria ser seguido nos quadrinhos também: histórias simples e inteligentes, sem apelações!

16-Se você tivesse um milhão para investir na Jupiter II, o que você faria?

Putamerda (risos)!!! Acho que montaria uma gráfica própria da editora. Assim, com os custos de impressão sanados poderíamos ampliar nossa atuação na net e levar as revistas a muito mais lugares, pagaríamos melhor os artistas. Enfim, daria uma bela turbinada na Júpiter II!!!

17-Se o gênio Shazam te concedesse três desejos, o que você pediria?

Todo mundo quer três desejos mas na hora de escolher é que é fogo (risos)! Mas um dos projetos que tenho na vida é construir um lugar para cuidar de animais abandonados e mal tratados. Também gostaria de poder viajar e conhecer diversos lugares no mundo e de ter uma biblioteca com todos os livros e quadrinhos que eu quisesse! Esses seriam meus três desejos!

18-Deixe um super-ultra-mega recado final para o povo brasileiro.

Agradeço a todos que de alguma forma vêm acompanhando e apoiando meu trabalho todos estes anos. Incluindo você, Baraldi velho amigo de guerra!
Conheçam nosso trabalhos e experimentem este novo universo de quadrinhos que é a Júpiter II!

 

*O Bigorna.net agradece a Eduardo Manzano pela entrevista concedida em 4/4/2010.

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