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Entrevista: Gustavo Machado
Por Eloyr Pacheco
27/02/2009

Gustavo Machado é dono de uma generosidade ímpar. Ele gosta muito de compartilhar suas experiências, tanto é assim, que em maio do ano passado depois de uma ótima palestra sobre produção de HQs no SESC em Quadrinhos (veja mais aqui) ele ainda deu total atenção para todos que o cercaram, analisando portfólios e dando dicas. Gustavo é ganhador de dois prêmios Abril de Jornalismo, dois prêmios Angelo Agostini e dois troféus Dona Beja de Quadrinhos. Trabalhou para editoras como RGE, Grafipar e Abril e desenha em vários estilos: do infantil ao erótico. Nesta entrevista, Gustavo Machado comenta sobre sua carreira, seu trabalho em títulos como Sítio do Pica-Pau Amarelo e Os Trapalhões, e sua amizade com o Mestre Claudio Seto.

Como surgiu seu interesse por Quadrinhos?

Desenho desde os meus três anos de idade, mas foi aos oito anos que meu pai me mostrou umas HQs que ele havia desenhado quando tinha 13 anos, numas folhas de papel almaço. Aquilo foi como um clarão na minha mente, percebi que Quadrinhos não era apenas algo que chegava pronto em minhas mãos através dos gibis, eu podia fazer! Daí em diante estava infectado pelo incurável vírus “Gybi Coadrynius”!

(risos) Eu tinha um tio (irmão do meu pai) que desenhava e pelo que lembro muito bem! Ele também colecionava revistas da EBAL... Isso também foi o que me despertou para os Quadrinhos! O quê que você acha que essa influência, além de infectá-lo, lhe proporcionou?

Meu pai não apenas me influenciou, como também incentivou meu interesse pelos Quadrinhos. Junto com minha mãe, foram meus primeiros fãs. O apoio dos dois foi fundamental no processo do meu aprendizado.

Quais revistas em quadrinhos você lia nessa época?

O primeiro gibi que consegui ler foi um Tio Patinhas, quando tinha sete anos. Levei um tempão, mas me senti realizado quando terminei! Curtia Disney, mas nesta época os postos Shell lançaram os Super-Heróis Marvel, que logo começou a sair pela Ebal, aí foi aquela loucura!

Você é autodidata?

Sim, nunca fiz cursei aulas de desenho.

Quais são os quadrinhistas que lhe influenciaram?

Os primeiros foram Carl Barks e Paul Murry (Disney), mas depois vieram muitos outros, como Ziraldo, Nico Rosso, André Le Blanc, Hergé (Tintin), John Buscema, Neal Adams, Curt Swan, Esteban Maroto, Mezieres, Franquin, Al Capp, Jim Holdaway, Uderzo, Ivo Milazzo, Gianni de Luca, Jean Giraud (Moebius), Jose Luiz Salinas, Joe Kubert, Will Eisner, Roy Crane, Milton Cannif, Stan Drake, Frazetta, Hugo Pratt, Hal Foster, Alex Raymond, Crepax, Carlos Gimenez e o meu predileto, Alex Toth! Também fui muito influenciado pelo Andrew Loomis, um antigo ilustrador americano que publicou maravilhosos livros ensinando anatomia humana, luz e sombra, cor, perspectiva e outras coisas. Há algum tempo li que o Alex Ross também é fã deste mestre do desenho.
 
Seu primeiro trabalho foi na RGE? Lembro-me que você me contou certa vez que o conseguiu atendendo um anúncio de jornal que procurava ilustradores. Foi isso mesmo?

Exatamente, não havia completado 18 anos quando uma tia recortou e me passou um anúncio que saiu no O Globo procurando por desenhistas de Quadrinhos com experiência. Respondi ao anúncio, fiz um teste e duas semanas depois fui chamado, foi um sonho! Afinal, não tinha nenhuma experiência profissional e disputei a vaga com outros 16 candidatos!

Você já devia desenhar muito bem para ganhar a vaga com essa concorrência!

Na verdade estava muito inseguro, pois em casa só gostava de desenhar super-heróis, figura humana... aí fui fazer um teste pra desenho infantil, foi dureza! Penso que acreditaram no meu potencial e felizmente dei o retorno que esperavam.

Quais revistas em quadrinhos você ilustrou na RGE?

Na Rio Gráfica (RGE) desenhei apenas o Sítio do Picapau Amarelo, onde fiz parte da equipe por mais de três anos.

Depois disso surgiu a Grafipar em Curitiba e você se mudou para lá...

Ainda trabalhando na RGE, vi alguns amigos como o Itamar Gonçalves e Walmir Amaral colaborando com a Grafipar e me entusiasmei. Desenhei minha 1ª HQ “séria” e mandei pra Curitiba, se chamava Aula Particular. O Claudio Seto retornou dizendo que havia gostado muito e perguntou se desenharia roteiros de outros, topei e ele me enviou vários. Algum tempo depois, em maio de 1980, houve uma reunião em Curitiba onde o Seto se prontificou a garantir uma boa cota de páginas (produção) pra quem aceitasse se mudar para Curitiba. Pronto, a isca estava lançada! Itamar, Fernando Bonini, Watson Portela e eu nos mudamos do Rio para Curitiba em um mês, algum tempo depois foi a vez do Franco de Rosa fazer o mesmo, vindo de São Paulo. Vale lembrar que, paralelamente às colaborações com a Grafipar, também fiz alguns Quadrinhos para a editora Vecchi, nesta mesma época.

Quais as publicações que trabalhou nesta época?

Minhas HQs saiam basicamente em Quadrinhos Eróticos! e Sexo em Quadrinhos. Mas havia muitos títulos, e ocasionalmente saiu alguma coisa em Maria Erótica e outras revistas da editora. Uma curiosidade foi que quando o Seto descobriu que eu, Itamar e Bonini tínhamos experiência com desenho infantil nos passou a produção de duas revistas infantis de atividade, Colorindo e Passacor. Era engraçado, pois revezava entre Quadrinhos eróticos e infantis (risos).

Nossa, a Grafipar era uma reunião de feras! Claudio Seto, Flavio Colin, Fukue, Julio Shimamoto e Fernando Ikoma, entre outros...Você era o mais novo da turma?

Pois é, não lembrava disso! Há pouco tempo, quando tive a felicidade de rever o querido e saudoso Claudio Seto, em certo momento ele lembrou comentando afetuosamente que eu era o mascote da turma da Grafipar. Na época em que comecei a colaborar com a Grafipar tinha apenas 20 anos. Vou guardar este título com muito carinho.

Nosso encontro com o Seto foi demais! Quando eu o encontrei na Livraria Cultura autografando o Lendas do Japão aqui em Londrina, na hora pensei em lhe telefonar e a gente sair junto. Tinha uma imagem completamente diferente dele: como ele era genial e ao mesmo tempo humilde e acessível... Aquele encontro vai me marcar para sempre!

Como disse, foi um presente poder rever o Seto depois de mais de vinte anos. Infelizmente ele faleceu poucos meses depois, foi um choque...

Como foi o fim da Grafipar?

A Grafipar começou a concorrer com material importado que outras editoras jogavam nas bancas com um custo muito menor. Além disso, os Quadrinhos deixaram de ser prioridade na editora, que investiu em outros segmentos e fracassou. Os pagamentos começaram a atrasar, os títulos diminuíram drasticamente sobrando poucas páginas de produção por mês. Ainda morando em Curitiba, fui trabalhar numa agência de publicidade, colaborando ocasionalmente com alguns trabalhos para a Grafipar. Como o mercado de trabalho para o desenhista em Curitiba era fraco, a opção foi São Paulo, para onde acabamos todos nos mudando, menos o Itamar, que continuou vivendo em Curitiba como artista plástico.

Dessa “aventura” você partiu para a Abril? Foi desenhar Disney?

Não, logo que cheguei a São Paulo, procurei trabalho e acabei sendo contratado pelo Daniel Messias, que tinha um grande estúdio de animação. Trabalhei com desenhos animados por cinco anos para vários outros estúdios, o que foi muito bom, pois era outro sonho meu e aprendi muito, melhorando o meu trabalho. Em 1988, depois desse tempo sem fazer Quadrinhos, criei o projeto gráfico da Xuxa para Quadrinhos e acabei sendo contratado pela Abril. Durante nove anos desenhei vários títulos na editora, como: Trapalhões, Gugu, Sérgio Mallandro, Zé Carioca e várias adaptações da Disney como Corcunda de Notre Dame, Mulan, Hércules e Tarzan.

Foi nesse período que você trabalhou com outro fera, o Primaggio Mantovi...

Sim, o Primaggio foi meu chefe durante toda a fase Abril. Aliás, nosso setor de Quadrinhos tinha muita gente boa, como o Marcelo Cassaro, Napoleão Figueiredo (colorista do Didi Volta para o Futuro), Aluir Amâncio, Paulo Borges, Rogério Soud, Watson Portela e outros.

E como você veio parar em Londrina?

Ainda trabalhando na Abril, minha primeira filha veio viver com a mãe em Londrina, após a nossa separação. Pra ficar perto dela, resolvi me mudar e acabei fazendo nova família.

Lembra de como nos conhecemos? (risos)

Claro, você estava montando um evento no shopping e havia um cartaz de uma HQ dos Trapalhões em RPG que eu desenhei. Te perguntei do que se tratava e você, com uma cara desconfiada perguntou quem eu era. Respondi e disse que havia desenhado aquele gibi... lembro que você demorou um pouco pra entender o que o Gustavo Machado estava fazendo ali, num shopping em Londrina! (risos)

Como foi o convite para fazer o Zózimo Barbosa, do Wander Antunes? E como foi a repercussão deste trabalho?

O Zózimo é uma das muitas criações do Wander Antunes, meu amigo há vinte anos. Em 2000, ele me procurou pra fazermos umas parcerias em HQ e fiquei desenhando os capítulos do Zózimo aos pouquinhos, entre um compromisso profissional e outro. Finalmente o álbum foi lançado, e embora as críticas tenham sido muito boas, infelizmente não houve empenho por parte da editora na promoção do álbum.

Aqui em Londrina você continua fazendo Quadrinhos, mas voltou a trabalhar com animação, não é?

Continuo desenhando o Zózimo aos poucos, quanto a animação, apenas dou uma assessoria na produção de um 3D que amigos meus estão produzindo.

Valeu, Gustavo. Ainda temos muito o que conversar, mas, por enquanto, obrigado pela entrevista. E aproveito para registrar aqui que eu sou um grande fã de seu trabalho.
 
Obrigado por mais esta oportunidade de compartilhar minha experiência no mundo dos Quadrinhos com todos que amam esta arte, vida longa para nossa HQ!

O Bigorna.net agradece a Gustavo Machado pela entrevista concedida por e-mail e finalizada no dia 22 de fevereiro de 2009

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