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EC Comics: o berço dos gibis de horror
Por Caio Luiz
25/08/2010

O editor Max Gaines foi um dos precursores da indústria das histórias em quadrinhos nos Estados Unidos na década de 1930 e é considerado uma figura chave para a consolidação dos comics americanos. Foi o pioneiro responsável por introduzir mudanças na maneira de publicar revistas, foi Max que inventou o famoso "formato americano" dos gibis, adotado como padrão até hoje e lançou o primeiro gibi colorido, como a Famous Funnies que reunia tiras cômicas de jornais em revistas de 64 páginas. Max tinha uma pequeno editora, a All American, e, através dela, produzia e co-editava o gibi All American Comics para a National (atual DC), que publicava super-heróis famosos como o Lanterna Verde, Mulher Maravilha e Flash (suas versões Golden Age, obviamente).

Em 1944, Max vendeu a All American para a National, abandonou os super-heróis e enveredou por outro segmento da arte sequencial: quadrinhos de história mundial, ciência e bíblicos. Estes últimos foram um verdadeiro achado! Fizeram tanto sucesso que foram lançados em vários países e venderam mais de cinco milhões de cópias! Para batizar a nova editora, o nome Educational Comics (EC Comics) foi escolhido. Nada mais apropriado e em sintonia com a linha editorial da empresa.

Porém a empreitada foi feita em um período difícil para o país, que estava mergulhado na 2ª Guerra Mundial. Em 1947, com o término da guerra, as vendas não estavam boas e a EC não ia bem das pernas. Pra piorar as coisas Max faleceu repentinamente, vítima de um acidente de barco, e deixou a editora para o filho Willian "Bill" Gaines, na época com 25 anos.

Antes da morte do pai, Bill havia voltado do exército para se formar professor na School of Education of New York e não tinha interesse nos negócios da família. Na verdade, Max acreditava que sua cria não era lá muito esperta e estava longe de fazer algo que prestasse. A relação entre os dois era complicada e Bill preferia manter-se distante do caminho do pai empresário.

Contudo, com o mudança brusca em sua vida, Gaines filhoviu-se diante de um legado que estava fraco e necessitava de revigorização. Nessa época a EC estava diversificando seu público e possuía vários títulos convencionais de western, romances, guerra e crime, porém o desempenho de todos nas bancas ia mal. Mas em 1950, Bill deu ouvidos ao fã de programas de rádio de suspense e terror, o desenhista e escritor Al Feldstein, que teve o insight de transpor as histórias que ouvia no rádio para a linguagem das HQs. Como Bill estava desesperado para sair da crise, resolveu arriscar na ideia. A decisão não poderia ter rendido melhores frutos! Acabava de nascer um novo gênero, um dos mais influentes nos quadrinhos: o Horror!

Educação e Entretenimento

Munido de apetite voraz, Bill tomava remédios para controlar a gula. O efeito colateral era a insônia que proporcionava tempo para ler de tudo e voltar para o trabalho com ideias anotadas rapidamente em papéis para as histórias curtas das revistas Tales from the Crypt, The Vault of Horror and Tales of Fear. A função de Feldstein era desenvolver aquelas ideias anotadas por Bill e transformá-las em histórias que tivessem começo, meio e fim.

Rapidamente, as capas repletas de sangue e imagens horripilantes invadiram as bancas de jornal e farmácias norte-americanas (onde também se vendiam gibis na época) e atraíram o público jovem que consumiu 250 mil exemplares de cada um dos três principais títulos! Bill ainda manteve os títulos de suspense, crime e fantasia, que não davam tanto lucro mas ajudavam a impulsionar a Entertaining Comics. Isso mesmo! A editora mudara de nome, afinal, as publicações mudaram totalmente de direcionamento e mereciam um nome mais adequado!

Não que as novas histórias da EC fossem isentas de conteúdo instrutivo. Elas já não eram bíblicas ou inocentes como antes, concebidas com o propósito didático. Agora elas traziam lobisomens, vampiros, múmias, mortos-vivos, assassinos e criminosos roubando, matando, decepando e esquartejando. A mudança foi drástica, da água para o vinho ou melhor, para o sangue – sendo mais infame. Todavia, uma lição sempre era ensinada ao fim de cada história, sempre a mesma, contada de formas diferentes. Basicamente, os roteiristas mostravam que o mundo dá voltas e que o que aqui se faz, aqui se paga. Eram contos sobre o bem e o mal com reviravoltas e desfechos irônicos que punham os malfeitores em seus devidos lugares: o caixão, o fundo do mar, embaixo da terra ou com algo pontiagudo e letal cravado em partes vitais do corpo.

A EC Comics passou por duas gerações da mesma família e os editores de ambas as fases, completamente opostas, revolucionaram o universo dos Quadrinhos! O primeiro criando o formato padrão dos comics e desenvolvendo gibis educativos e religiosos que invadiram os lares americanos. O segundo, criando um novo gênero chocante e agressivo de HQs e investindo na qualidade das tramas e desenhos, convidando uma elite de artistas como Frank Frazetta, Jack Davis, Bill Elder, Joe Orlando, Wallace Wood, entre outros, que chegaram a comercializar originais de seus trabalhos por milhares de dólares, tamanho o sucesso que sua arte nos comics alcançou.

Os gibis educativos da EC foram desbancados pelos de entretenimento, isso é fato. Pra se ter uma ideia das novas tendências do mercado, em 1953, um quarto de tudo que era produzido pela indústria dos comics era do gênero horror!

Apesar de toda a violência, sensacionalismo e sentimentos negativos como vingança e ódio, Bill descrevia o horror como algo inofensivo e prazeroso, para os que tinham estômago, claro! Muitas críticas comportamentais e sociais da época vinham embrulhadas em quilos de vísceras que poderiam até disfarçar o objetivo do conto, mas a moral sempre vinha inteligível no final. Um exemplo célebre desta maneira de trabalhar com o horror é o diretor de cultuados filmes de zumbis George Romero, autor de Night of Living Dead e Dawn of the Dead .Criador de uma antologia que utiliza mortos-vivos como prisma para analisar a sociedade, Romero é fã confesso da EC e se diz influenciado pelo material lançado no meio do século passado.

Bring out the Gore

Porém o sucesso das revistas de Terror da EC também teve  seu lado ruim: gerou muitas outras editoras imitando seu estilo, o que tornou o mercado extremamente acirrado e competitivo.

Pra piorar as coisas, a era Macarthista havia chegado e em 22 de abril de 1954, Bill Gaines testemunhou voluntariamente no Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil porque moralistas acreditavam que os gibis poderiam influenciar crianças a cometerem crimes semelhantes aos que encontravam nas páginas que liam. A audiência marcada pelo senador Kefauver, famoso por adorar auto-publicidade, e com a participação do psiquiatra Fredric Wertham, autor do livro Seduction of the Innocent, que depreciava quadrinhos e exaltava partes negativas da arte, se dedicou a esmagar Bill, o único “publisher” de horror que deu a cara a tapa e chamou toda a bronca para si ao dizer que foi o primeiro a imprimir aquele tipo de história.

Com isso a EC passou a simbolizar o "Mal" impresso e fogueiras foram literalmente acesas para queimar seus gibis em praça pública. O código de censura Comics Code Authority passou a vigorar decidindo o que poderia ser mostrado ou não nos Quadrinhos americanos. Bill se recusou a adotar a nova “norma” e continuou fazendo o que bem entendia, mas os distribuidores, com medo de encalhe ou alguma retaliação, se recusavam a comprar suas publicações. Quando Bill finalmente cedeu ao código censor, o gênero horror já estava "queimado" e não foi possível reavivá-lo como antes.

Por conta da decadência do gênero Horror, Bill foi obrigado a pensar em outro tipo de quadrinho para não fechar as portas. E foi aí que teve outra ideia brilhante: uma revista de humor escrachada e tão agressiva e chocante quanto o horror. Seu nome? MAD!!! Mas isso já é outra história...

PS: Quem ri por último ri melhor! Prova de que a EC levou a melhor, mesmo depois de tanto tempo, foi a série produzida pela HBO na década de 1990, que seleciona histórias das publicações de horror da EC e as transforma em episódios dirigidos por Walter Hill, Robert Zemeckis e Richard Donner (diretor de Superman com Christopher Reeve) com produção de Joel Silver. A essência das histórias foi preservada no seriado e é uma ótima homenagem a lendária fábrica de Horror chamada EC comics!

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