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Por Gonçalo Junior 16/03/2007
Argumento semelhante fora usado depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando as tiragens despencaram, depois que heróis e super-heróis perderam o atrativo sem ter mais nazistas e japas para enfrentar. Logo a indústria perceberia que a lacuna começava a ser preenchida por outros tipos de Quadrinhos, bem menos nobres para os moralistas de plantão: policiais e de terror. Também vieram os quadrinhos mais inteligentes, que divertiam e faziam refletir sobre a vida e a existência e cujo maior exemplo era a turma criada por Charles Schultz - Charlie Brown, Snoopy e cia. Crise semelhante vivem os Quadrinhos de banca hoje - um tema recorrente nesta coluna e que já deve ter enchido o saco daqueles que gastam seu tempo lendo. Em todas essas diferentes épocas, porém, um assunto relevante é deixado de lado quando se pretende discutir a chamada crise dos gibis: não é a indústria que está morrendo por causa de outras formas de tecnologia. As vendas caíram principalmente porque o mercado vive uma entressafra, está à espera de renovação.
Só os Quadrinhos, porém, criaram seres que transcendem seus criadores, suas formas de expressão - os próprios Comics, o Rádio, o Cinema, a Televisão - e até mesmo as fronteiras de seu país. Intriga-me quando ressuscitam o velho discurso sectário dos anos de 1960 e procuram colocar o Super-homem como a representação máxima do imperialismo ou do capitalismo americano. Seu último filme consegue dimensionar que há muito o Homem de Aço deixou de ser patrimônio americano para se tornar cidadão do mundo. Porque os Quadrinhos são uma forma única de transcender o imaginário popular. Se para alguns é uma típica cultura de massa do século XX, há indícios de que não ficarão restritos a um tempo, a uma era. George W. Bush prestou o inestimável serviço à humanidade de aniquilar toda a mitologia de uma América que era a pátria dos únicos homens verdadeiramente super-homens no planeta, de soldados imbatíveis, invencíveis, mais preparados - apesar da derrota no Vietnã e do fiasco da Guerra do Golfo em 1991. Desmoralizou seu país, fez da idealizada terra da oportunidade, da democracia e da liberdade uma nação de seres prepotentes, preconceituosos, racistas e arrogantes, como se viu no recente filme Babel. Não conseguiu, porém, abalar o mito do Super-Homem que recentemente vimos nas telas. Esse detalhe reforça o poder criativo e a força dos Quadrinhos permanentes de modo geral. Por outro lado, é uma incoerência que uma arte tão vigorosa e que marcou tanto o imaginário popular nos últimos 100 anos seja ao mesmo tempo subestimada e discriminada. Mais que todas as outras, de longe, foi a mais vigiada, dilapidada e censurada. Faça as contas, levante todos os dados históricos possíveis, some todos os livros, discos e músicas vetadas no Brasil e no mundo ao longo do século XX. Todos esses gêneros foram sim, censurados. Só que em determinados períodos históricos. Literatura, Cinema e Música, por exemplo, sofreram barbaridades nas duas ditaduras brasileiras – Estado Novo (1937-1945) e Regime Militar (1964-1985). Os Quadrinhos não. Têm sido policiados em 110 anos de história. Ininterruptamente. Em todos os lugares do mundo. E não apenas porque uma parcela expressiva de seu público é formada por crianças e adolescentes. Não é o caso aqui de comparar números, mas vale lembrar aqui porque os Quadrinhos são a forma de comunicação e de arte mais visada, perseguida e censurada. A explicação não é tão simples quanto parece, mas pode ser resumida pelo fato dos gibis serem sempre a vanguarda da imaginação, o caldeirão de experimentos da fantasia humana – com a vantagem de representar isso por meio de imagens, em relação ao Livro ou ao Cinema, que só agora consegue dar vida aos gibis, graças à revolução digital. Enfim, são os Comics a mais poderosa das subversões de valores, idéias, comportamentos.
Nos primeiros tempos da história dos Comics, em forma de humor, as primeiras tiras e páginas dominicais estamparam o mundo miserável dos cortiços nova-iorquinos, enquanto o país tentava vender uma imagem de prosperidade. Por meio de Little Nemo, de Winsor McCay, viajaram para o extremo oposto e prenunciou um novo mundo, que ainda está por vir no século XXI. O escapismo dos Comics nos anos de depressão da América, a partir dos anos de 1930, se eram ingênuos e puritanos por causa da censura, historicamente formaram um rico painel de uma época, só para citar um único aspecto importante. Quando se vive numa época de radicalização e obscurantismo, é preciso que os artistas que hoje fazem Quadrinhos honrem sua tradição histórica e respeitem sua longa tradição de arte subversiva. Porque essa é a essência de uma arte que não pára de propor novos caminhos, novas idéias, novas sociedades e servem como voz para a revolução, às vezes, de uma pessoa só. Porque os Quadrinhos querem e podem mudar o mundo. Basta passar numa banca mais próxima de sua casa. |
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