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Primeira caricatura brasileira denuncia corrupção. No Correio.
Por Gilberto Maringoni*
24/08/2005


Ilustração: Arquivo do autor

Uma das primeiras caricaturas publicadas no Brasil, em 1837, aponta um pagamento de propina no Correio Oficial. Em tempos de malas e mensalões, o nome é sugestivo. Mas aqui se trata do equivalente ao Diário Oficial, e não da estatal que deu 15 minutos de fama ao burocrata Maurício Marinho.
 
O desenho mostra um homem em pé, elegantemente trajado, usando chapéu de penacho. Com a mão direita, toca uma sineta e, com a outra, oferece um saco de dinheiro a um sujeito ajoelhado, em atitude servil. Outros, ao fundo, fogem da cena. A legenda diz:

A Campainha
Quem quer; quem quer redigir
O Correio Oficial!
Paga-se bem. Todos fogem?
Nunca se viu coisa igual

O Cujo
Com três contos e seiscentos
Eu aqui´stou, meu senhor
Honra tenho e probidade
Que mais quer d´um redator?

Seu autor é o pintor, escritor, ilustrador e arquiteto Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), fundador do primeiro jornal de caricaturas entre nós, A Lanterna Mágica, em 1844. A ilustração do suborno fez grande sucesso, de acordo com Herman Lima, em sua História da caricatura no Brasil. Era vendida avulsa por 160 réis e impressa em litografia. A técnica ainda era uma novidade e consistia-se na reprodução de imagens a partir de uma matriz desenhada em pedra.

A composição é contundente. Além dos personagens, há vários dizeres nos muros das casas. O mais evidente destaca: "Com honra e probidade 3:600$000. Viva a sinecura!" A quantia representava, à época, bem mais que um mensalão. Era dinheiro para se comprar uma bela casa no Rio de Janeiro, bagatela mais condizente com cuecas voadoras, ou saques milionários.

Governista
O alvo da denúncia era o advogado e posteriormente deputado Justiniano José da Rocha (1812-1862), tido pelo Barão do Rio Branco como "o maior jornalista de seu tempo". A laudatória apreciação, no entanto, está longe de ser unânime. Apesar de hábil e competente, Justiniano "tinha a seu desfavor a condição de haver sido quase sempre um jornalista governamental, desempenhando a tarefa ingrata de intérprete do pensamento conservador", escreveu Raimundo Magalhães Júnior. Uma pena de aluguel, em palavras mais claras.

A charge atacava justamente esse fato. O jornalista deixara a redação de O cronista em favor de um emprego no Correio Oficial, no qual receberia anualmente aqueles 3.600 contos de réis.

Nelson Werneck Sodré, em seu clássico História da Imprensa no Brasil, é ainda mais duro no julgamento de Justiniano. "Defendeu na imprensa e na vida parlamentar os interesses do latifúndio" e foi "personagem de destaque na imprensa áulica do período".

Em 1855, Justiniano confessaria, da tribuna da Câmara, ter participado de um outro caso pouco edificante. O tráfico negreiro no Atlântico estava proibido havia cinco anos. Assim, navios apreendidos com escravos nos portos brasileiros tinham suas "cargas" sumariamente confiscadas pelas autoridades.
Porém, um esquema clandestino de distribuição desses negros entre figurões do Império tornou-se comum na Corte. Pressionado, num acalorado debate em plenário, o jornalista abre o que poucos sabiam:

- Distribuiam-se africanos e eu estava conversando com o ministro que os distribuía. S. Excia me disse: "Então, sr. Rocha, não quer algum africano?". "Um africano me fazia conta", respondi-lhe, "Se V. Excia. quer, dê-me um para mim e um para cada um de meus colegas".

Não há notícias de algo que se assemelhasse a CPIs para este caso. Mas, apesar de ter redigido algumas obras importantes - em especial um pequeno ensaio histórico, "Ação, reação e transação" -, a imagem de Justiniano José da Rocha ficou marcada como a de um bajulador profissional. Ainda não existiam transmissões ao vivo, denúncias de secretárias e quebras de sigilo bancário e telefônico. Mas a caricatura já cumpria seu papel de imortalizar certas reputações.

*Gilberto Maringoni, historiador e jornalista, é autor de ''A Venezuela que se inventa: poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez" (Editora Fundação Perseu Abramo). Clique aqui e confira a biografia completa do articulista.

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